SÉRIE: P.E.N.T.E.
CONTO: UM CONTO DE NATAL
AUTOR: CHINA MIÉVILLE
EDITORA: BOITEMPO (AMAZON KINDLE)
UMA DATA SOB TOTAL (DES)CONTROLE
Podem me chamar de
infantiloide, mas eu adoro toda essa bobajada —a neve, as árvores, os enfeites,
o peru. Adoro presentes. Adoro canções natalinas e músicas bregas. Eu simplesmente
adoro o Natal®.
P de PERSONAGEM
O narrador é o personagem principal, dividindo seu
protagonismo com sua filha Annie, de 14 anos, que ele ainda a vê como uma
garotinha. O antagonista é a sua ex-esposa Aylsa. São divorciados e com visões
diferentes de mundo. E no fim da narrativa aparece Marwan, um mulçumano que
também está nos protestos contra a privatização do natal em gratidão pelos
cristãos que lutaram com os mulçumanos quando tentaram privatizar a Eid al-Fitr
(Celebração do fim do jejum). Não fica explícito, mas entende-se que Marwan é
uma espécie de namorico da filha adolescente.
E de ENREDO
O conto se desenvolve na noite de Natal, o pai, narrador,
sempre sonhou em celebrar a data juntamente com sua filha. E naquele Natal ele
foi contemplado em um sorteio dando direito a celebrá-la conforme ao permitido
pela corporação detentora dos direitos da celebração, em um local apropriado. A
filha chega a postar em suas redes como que dizendo para todos: — Veja só, eu
vou celebrar/ostentar o Natal este ano. Mas o ponto central do enredo é quando
eles se perdem no meio de um protesto. Encontram-se, mas nada acontece como o
pai planejou.
N de NARRATIVA
A narrativa, em primeira pessoa, torna-se interessante no
momento que a gente acompanha a trajetória do narrador, indo da sua felicidade
em poder presentear a filha com uma festa de Natal juntamente com a elite de
uma Londres futurista. Para ele o prêmio é como se fosse um prêmio de loteria, mas
não o principal, mas um terno que permitiria uma noite em uma pizzaria, na
velha loto aqui no Brasil, e sua aflição mediante ao fato de estar no lugar
errado, na hora errada, quando um protesto imenso surge. A perda da filha e seu
reencontro com outra visão sobre o Natal. Com o desenvolver da história, a
antagonista Aylsa some e aparece a multidão da manifestação, substituindo assim
o antagonismo da narrativa.
China Miéville relata a manifestação com todos os
ingredientes que ela possui. Lembra algo, claro que não estou falando de
ideologia, mas da mobilização em si, as jornadas de junho de 2013. Até um grupo
de Black Bloc aparece na narrativa como Red & White Bloc, ajudado pelos
membros do Partido Cantor Radical dos Homens Gays no seu confronto com a
polícia/milícia do Esquadrão da Natividade, sendo esta algo como o Batalhão de
Azov. Há também menção à velha esquerda que veste Marx de Papai Noel e a
esquerda radical que fica contra o levante por não mencionar a luta de classe. O
conto, no seu desenvolvimento, leva os protagonistas para o olho do furacão de
um levante popular. Os componentes deste levante servem de uma análise sociológica,
pois é uma metáfora dos dias atuais. É não é por acaso que este conto foi traduzido
e divulgado pela Editora Boitempo.
O ápice é quando o protagonista se surpreende com a visão
crítica da filha, e seu contentamento de passar o Natal com o pai, independente
do presente. Mas ela achou mais interessante a contestação popular que sua
presença em uma festa de elite.
T de TEMPO
O tempo preciso é um Natal qualquer no futuro distópico (...
dou o melhor de mim no dia 25.) E nesta Londres distópica o Natal foi privatizado.
Por isto não é mais Natal, mas Natal®. O povo trabalhador ou desempregado não
pode mais nem usar algo que lembre um pinheiro ou neve. Não pode colocar
presente sob a árvore de Natal. Tem quer ser da elite, pagar caro, para
celebrar a Natividade de Jesus Cristo, esquecido aqui na História. Ou, como
quem tem sorte de ganhar na loteria, ser sorteado, uma agrado da NatividadeCo.,
empresa dona da marca Natal®.
Mas era tempo de explosão de tanta revolta incontida. E aquele
Natal, justamente naquele Natal, em que o protagonista foi contemplado, o povo
está protestando. Todos os grupos, desde a velha esquerda rabugenta, os
anarquistas, os militantes de qualquer causa. Todos estavam na rua, como um tsunami
que pegou o protagonista e sua filha que estavam já próximo ao local da festa. O
conto nesta questão exerce uma função profética em relação aos limites da
voracidade econômica das grandes corporações.
E de ESPAÇO
Quem é capaz de escrever a distopia A cidade & a cidade,
onde duas cidades nos confins da Europa ocupam o mesmo lugar geográfico. É capaz
de fazer surgir em uma Londres controlada e uma turba de revoltados. Um levante
popular que venha à erupção em plena noite de Natal. Os “desnatalizados” só
podiam comemorar o 25 de dezembro através do pequeno Evento Invernal. Tudo estava
controlado pela NatividadeCo. As ações mais tensas ocorrem no coração da grande
capital da Inglaterra. E ali estava o narrador e sua filha para a festa
especial licenciada pela NatividadeCo (...foi um premiozinho bacana. Um convite
para uma festa especial, licenciada, de Natal®, no centro de Londres, organizada
pela própria NatividadeCo”. Não era como
empregada doméstica indo para Disney, afinal estas conseguiam tal “concessão”
graças à sua ascensão social. Era realmente ganhar na loteria, ainda que não
seja o prêmio principal.
É você, o que faria nesta Londres distópica? Passava a
menosprezar o Natal como Aylsa ou continuaria sendo um infantiloide, como o
protagonista? Participaria do levante popular ou não veria razão de lutar por
algo específico? Leia o conto e nos conte.
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NOTA DO BLOG: A série de resenhas de contos adotará
doravante o título de P.E.N.T.E.
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