ENCANTADOS, CAVALOS E DESENCANTOS
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LIVRO: TORTO ARADO
AUTOR: ITAMAR VIEIRA ASSUNÇAO
EDITORA: TODAVIA
1ª Edição (2019)
Torto Arado de Itamar Vieira Junior trafega entre o épico e o lírico, em um romance tecido de luta, resistência que nos conduz para a nossa história esquecida dos livros didáticos oficiais. Em certas situações o romance me lembrou O Cortiço. Seria Torto Arado um cortiço rural. Em certo aspecto, sim. O realismo fantástico de Itamar Vieira Junior não serve de escape do naturalismo de Aloísio Azevedo.
O realismo fantástico resgata a religião do Jarê, um puro suco, só para usar um termo atual, de sincretismo religioso que une matizes africanas, indígenas com o cristianismo trago da Europa. Em Água Negra, a religião serve de resistência aos desmandos em uma situação que beira ao servilismo. A parte final do livro, aparece o crescente evangelismo trago pela senhora da fazenda, em uma mistura de religião e política, com pauta conservadora, algo que já aparece entre outros livros como A Segunda Morte de Suellen Rocha. Em breve teremos estudos sobre a penetração desta temática na literatura brasileira.
O episódio que dá o pé inicial já levanta a curiosidade do
leitor sobre o porquê de haver uma faca que estava escondida dentro de uma
velha mala de coro de caititu que Donana, vó de Bibiana e Belonísia, duas das três
narradoras do romance.
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“Meu cavalo morreu e
eu não tenho mais montaria para caminhar como devo, da forma que um encantado
deve se apresentar entre os homens, como deve aparecer por este mundo.”
A história vai revelando pouco a pouco a história de ultragens
e dramas que culmina com a narração de Santa Rita Pescadeira, uma encantada
(entidade) que vinga o povo sofrido ao se apossar das irmãs e fazer delas
artífices da liberdade do povo de Água Preta.
“Sutério pegou a maior parte da batata-doce com as duas mãos grandes que tinha e levou para a Rural que havia deixado em nossa porta. Pilhou também duas garrafas de dendê que guardávamos para fazer os peixes miúdos que pescávamos no rio.”
O confisco da batata-doce e do dendê por Sutério, o capanga da fazenda, da casa de Zeca Chapéu Grande, traz a crueza da exporação que ronda, mesmo em escala menor que no passado, nas fraldas do sertão brasileiro. Outros registros desta exploração se dão ao longo do enredo como as telhas de cerâmica da escola que foi construída como que por uma troca de favores entre o curandeiro e o prefeito. Telha de cerâmica que nenhuma casa dos trabalhadores da fazenda tinha. Pouco mais adiante está o relato da questão do alto preço que as mercadorias eram vendidas para os colonos da fazenda, algo corriqueiro em tempos até recentes em nosso país. O barracão tinha apelido de “O Roubo”. Não há nome mais apropriado para a relação mercantil entre poderosos e pobres trabalhadores.
O sindicalismo vai até o sertão e incomoda, é martirizado no corpo daquele que propagava organização dos trabalhadores para que esta frutificasse libertação.
Torto Arado, se não chega a esbugalhar os olhos, é romance que
precisa ser lido não apenas pelos prêmios, mas pela capacidade de nos levar
para a dura vida na lida campesina em um Brasil mofado de racismo e opressão. E
a libertação de peões vem através de cavalos que podem se movimentar em L.
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