CREPÚSCULOS E AURORAS
SÉRIE: À SOMBRA DE UM CEDRO EU SENTEI E LI
OBRA: DRÁCULA
AUTOR: BRAM STOKER
TRADUÇÃO: MARCIA HELOISA
EDITORA: DARK SIDE
ANO DA PUBLICAÇÃO ORIGINAL: 1897
ANO DA PUBLICAÇÃO DA OBRA: 2018
Quando anoitece, ele amanhece
Quando amanhece, ele anoitece
Acredito que
quase todo mundo que aprecia a arte da literatura, tem um quezinho pelas
histórias produzidas na era vitoriana. Eu tenho este quezinho e por isto me
embrenhei pelos crepúsculos e auroras desta obra maravilhosa que é Drácula.
Boa parte das
pessoas sabe descrever um vampiro, seja por causa de filmes ou outras formas de
arte que descrevem os desmortos que precisam de sangue para se revigorarem. Mas
ler Drácula, a fonte, apesar de não ser a primeira narrativa sobre estes
desmortos, é a que mais fascina e influencia nas descrições atuais.
Assim que
terminei de ler a obra, um tijolo de tamanho digno, antes de se aventurar pelo material extra que esta edição de
capa preta da Dark Side, descrita como Dark Edition, sendo que a de capa
amarela como foi a edição original é descrita como First Edition, e confesso
que ao ter meus primeiros pensamentos sobre publicar, imaginei que meus livros
todos tivessem a mesma cor do fundo e das letras em minhas capas como Bram
Stoker teve para sua obra de maior relevância (um pouco de mim aqui), eu pensei
no título da minha resenha.
Ao folhear o
material extra (Resenhas, entrevistas e cartas) deparei-me com o texto do Daily
Mail, de 1º de janeiro
de 1897, Londres, com o mesmo espírito da dualidade crepúsculo e aurora. Assim
o autor coloca como se tivesse lido o livro em uma noite, do anoitecer ao
amanhecer:
Começamos nossa leitura ao cair da
tarde e acompanhamos Jonathan Harker em sua jornada rumo aos montes Cárpatos,
sem desconfiar do que nos esperava no castelo de Drácula.
Por volta das dez da noite, estávamos
tão absortos na história que não conseguimos pausar para fumar o cachimbo...
...ao badalar das doze horas, já
estávamos bastante impressionados com a narrativa...
...ao despertar da aurora, quando
finalmente fomos nos deitar, o fizemos com a garantia certa de pesadelos...
O resenhista do Daily Mail adverte:
Aqueles que se assustam com facilidade ou sofrem dos nervos devem restringir a leitura de páginas tão macabras às horas que se estendem do amanhecer ao pôr do sol.
Já no Pall Mail Gazette sugerem que o
romance deveria ter vindo com uma advertência: “Apenas para os fortes”, tal advertência
vi no livro IV de Donnefar Skedar, e utilizei no meu Duas noites de Vingança que
está em reedição (mais um pouco de mim aqui).
A bruma cinzenta da aurora se dissipou e o sol brilha no horizonte longínquo... a distância confunde a dimensão das coisas.
Enquanto prosseguíamos pelas curvas da estrada e o sol desaparecia aos poucos no horizonte, as sombras do crepúsculo começavam a nos envolver na escuridão.
Enquanto Jonathan Harker entra para o crepúsculo da
sua missão profissional indo ao encontro de um cliente importante que tenciona
ir morar em Londres, sendo aprisionado no castelo do Conde Drácula, este por
sua vez ver uma aurora para poder ir em busca de mais vítimas da “maldição” que
traz. O dia radiante em sua história é estar no coração econômico do século
XIX, Londres, com seu conservadorismo nos costumes e seu liberalismo na
economia.
O romance é investido de toda essa atmosfera
vitoriana, de considerar estranho o que vem do continente, sobretudo do leste
europeu de onde vieram os ostrogodos, lembrando aqui que o termo gótico na
literatura vem justamente dos godos (visigodos e ostrogodos) que marcavam a
Europa com sua arte. Então gótico era o estranho, o diferente. O personagem Conde
Drácula representa justamente isto. E ele é uma ameaça para o britânico.
Uma leitura particular é que o Drácula pode ser
comparado também ao espírito burguês de sugar o sangue dos trabalhadores para
se nutrir, sobreviver, fazer perdurar o novo sistema econômico que estava se
consolidando com a Revolução Francesa na política e a Revolução Industrial na
economia.
O fato é que a medida em que tudo vai virando penumbra
para nosso personagem principal na primeira parte do enredo, e é quase unanime
nas resenhas que na segunda parte o personagem principal passa a ser Mina Harker, ao lado
do holandês caçador de vampiro Abraham Van Helsing, que se perpetuou no tempo e na arte tanto
quanto o Drácula.
E tudo vai ficando cada vez mais escuro para Mina, que vai ao encontro do seu noivo em um convento em Budapeste, duplicando seu
estranhamento, já que é amiga de Lucy Westenra, vítima de Drácula já na
Inglaterra.
A partir do fato de Lucy estar sendo atacada por
Drácula, forma-se um quarteto em volta dela, dos quais três são admiradores, e
um quarto que é justamente o mais conhecedor de vampiros, Van Helsing.
A partir do momento que Van
Helsing conhece Jonathan e Mina, e sobretudo os relatos do advogado sobre sua
estadia no Castelo na Pensilvânia, a tarde começa a chegar para o conde em Londres
e a noite vai se dissipando para o grupo que se propõe a combatê-lo para o bem
da humanidade.
Outro personagem interessante, e que contribui para
a história, é Reinfield, interno do asilo do dr. Seward, que se transforma no
Q.G. do grupo.
Apesar da narrativa ser
epistolar, com diários escritos sempre no crepúsculo ou no raiar da aurora,
notícias de jornais e telegramas, o autor organizou sua obra em capítulos. E para
mim o XXI é o mais fenomenal. É quando deparamos com o Conde Drácula fazendo
seu ataque aos seus opositores, sugando o sangue de Minas em pleno Q.G. dos
bravos homens vitorianos, mesmo dois deles sendo estrangeiros.
A partir deste momento Mina,
tendo em seu sangue o sangue de Drácula, vive seu drama particular. O grupo
então intensifica suas ofensivas e Drácula recua, de volta para sua terra, após
ficar somente com uma opção de repousar durante o dia.
O grupo intercepta sua volta e o
assassina segundo os cânones para tal como a narrativa vai nos revelando.
Assim a vida volta a amanhecer para o grupo, mesmo com a morte do estadunidense Quincey Morris, que deu nome ao filhos de Jonathan Harker e Mina Harker, que também traz o nome dos demais cavaleiros que enfrentaram o temível Conde Drácula, devolvendo-o à sua morte definitiva. Um crepúsculo para ele e para as três vampiras que residiam o castelo juntamente com o mestre dos vampiros.
Quando o dia raiou, vimos um
grupo de szgany sair às pressas do rio, proteger com seus cavalos a carroça que
avançava no centro... Sinto que alguns de nós não sobreviverão, mas só Deus
sabe quem, onde, quando e como...
O livro nos revela a estética do vampiro
consolidada no século XIX. No século XX Anne Rice que descreve vampiros mais
humanos, sobretudo em Entrevista com o vampiro, e na alvorada do século XXI
tempos os encastelados na casa de vidro da saga Crepúsculo.
Não sei se há algum estudo sobre os
vampiros de André Vianco, escritor nacional com o qual aprendi muito com sua
mentoria.
O livro da Dark Side traz além do
enredo mais próximo do original, uma apresentação do sobrinho-neto de Bram
Stoker, Dacre Stoker; um conto que segundo a esposa do autor, foi tirado do
romance para que este não ficasse muito extenso, O hóspede de Drácula; e o poema
de O vampiro de Charles Baudelaire. Além dos anexos já mencionado.
Experimente ler Drácula, ainda
que te custe algumas gotas de sangue, digo, de suor. E não se esqueça da
recomendação do Daily Mail, de 1897.
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