UMA DELICIOSA POÇA RASA
SÉRIE: PELO CRIVO DO P.E.N.T.E.
CONTO: O CASTELO DE CARTEVILLE
AUTOR: OSCAR WILDE
OBRA: Contos de suspense e terror - 2ª edição
EDITORA: LeBooks (Leia + UOL)
Impulsionado pela compulsão de
escrever sobre “tudo ao mesmo tempo agora” tento aqui resenhar um dos mestres da narrativa vitoriana, com sua singularidade. Estou falando de
Oscar Wilde. E como resenhar um trabalho de Oscar Wilde? Vamos fazer nossa investida.
P de PERSONAGENS
Pelo nome do conto o personagem principal é o fantasma com mais de trezentos anos, o Sir Simon Canterville. Mas Virgínia Otis, a adolescente meiga da família norte-americana que adquiriu o castelo, é no mínimo uma coadjuvante do principal. Relegar para a heroína que conduz a história para seu desfecho é compará-la com os demais membros da sua família.
Há uma divergência de características em que o autor explora bem ao contrapondo a burguesia estadunidense em ascensão e a decadência vitoriana. Quem conhece a literatura de Oscar Wilde sabe que ele sempre critica o poder e os poderosos do seu tempo.
O autor nos apresenta a família estrangeira com mais pormenores, chegando a atribuir alcunhas aos gêmeos de Estrelas e listras, uma referência clara a bandeira dos Estados Unidos.
Curiosamente outro irlandês,
Bram Stoker, conta com um personagem americano em Drácula.
E de ENREDO
Há uma pancada forte no leitor quando se espera um conto gótico puritano como O Castelo de Otranto, e depara com o humor, uma inversão de papéis. O fantasma sendo assombrado. A atmosfera depressiva recai sobre o fantasma que ao não assombrar mais, busca uma razão de existir ou de se libertar da maldição. É hora de Sir Simon Canterville, partir para seu repouso eterno. O homem que assassinou a esposa por motivos fúteis, amarga a fome e o sofrimento. É fantasma às portas da sua aposentadoria. Incialmente a família assombrada pelo antigo parente vende o castelo com mais um caso envolvendo a tia-avó do Lorde Canteville. A trama se dá no enfrentamento do fantasma contra os novos moradores do castelo, céticos. “Acho que se houvesse um fantasma de verdade na Europa, alguém já o teria levado para a América e o colocado em algum museu, ou, até mesmo, o exposto nas ruas.”
O desfecho se dá com a participação, até então passiva na história, de Virgínia E. Otis.
O autor vai dando pistas do
desfecho como o posicionamento de Virgínia diante do camaleonismo da cor do
sangue. Ela se assusta ao invés de achar graça do sangue verde. No fim a
narrativa revela que suas tintas estavam sendo roubadas.
N de NARRATIVA
O narrador não entra na história como personagem, mas emite sua opinião através do fantasma, deixando claro sua xenofobia, ainda que leve, humorizada, em relação aos estadunidenses. A narrativa traz a parcialidade que não é a do autor, mas da aristocracia britânica. Outra xenofobia explícita é contra os ciganos, aventados como raptores de Virgínia no seu sumiço durante sua aventura sobrenatural para ajudar o velho e cansado fantasma.
Há certo momento, próximo do meio da narrativa, que há uma condensação de eventos que pode ser aproveitado como arsenal de situações em escritas de horror.
Oscar Wilde traz para este conto todo estranhamento do gótico com sua ironia peculiar.
O autor busca se conectar com outros textos góticos “Uma coruja bateu contra a vidraça e um corvo grasnou ao longe”.
Outro ponto belíssimo em que o
gótico se revela é na descrição do cemitério feito pelo fantasma:
“Lá longe, além dos pinheirais, tem um jardim . A grama cresce alta e densa por lá, onde é possível encontrar as estrelas alvas da flor de cicuta e ouvir o rouxinol cantar a noite toda. A lua prateada observa tudo do alto e as árvores estendem seus braços gigantes sobre os que dormem.”
E não podia faltar uma profecia a
ser cumprida e assim abrir os portais e libertar o fantasma de seus três
séculos sem sono.
“Quando uma menina com brilho dourado conseguir tirar
Preces dos lábios de um pecador,
Quando a amendoeira infértil frutificar
E uma criança suas lágrimas derramar,
Então o silêncio irá chegar
E a paz em Canterville retornará.”
T de TEMPO
Historicamente o conto se situa no fim da era vitoriana. O tempo vai sendo registrados através de períodos do dia como “uma bela tarde de julho”, “na manhã seguinte”.
Mas a história contada se conecta com fatos ocorridos no espaço temporal de três séculos. A maldição que perpassa até chegar a “americanização” da história.
A citação de um susto empreendido
pelo fantasma em 1764 denota a nostalgia do personagem e seu momento
memorialista ao assombrar o duque de Cheshire, parente de um assombrado por ele
no passado.
E de ESPAÇO
Não têm ruínas! Nem curiosidades!
Virgínia em seu colóquio com o fantasma releva o sentir-se superior dos estadunidenses na terra da Vitória. Não ter ruínas é não ter passado e consequentemente os fantasmas em armários. Não ter curiosidade é ser objetivo, metódico.
O espaço da história do conto é o Velho Mundo em seu ombro peculiar, a Britânia. No entanto, não se passa em cidade, mas no castelo, para dar o vermelho do gótico que vai metamorfoseando no verde da ironia e esperança do fantasma através da mocinha da profecia.
O verniz gótico do conto nos coloca na maior parte do tempo dentro de um castelo, incluindo cômodos secretos. O mais longe deste ambiente social sombrio e desafiador que a narrativa nos leva é na busca por Virgínia.
Ao inverter alguns clichês das
histórias sobrenaturais, onde o atormentado é o fantasma, Oscar Wilde no
entrega um conto supimpa de bom para se ler sem compromisso de um mergulho no
sombrio. Mal dá para molhar os joelhos. Por isto, podemos entre na pequena poça
sem medo.
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