NAÇÃO, CASA E CORPO
FONTE DA IMAGEM: https://lecturia.org/ |
Série: P.E.N.T.E
CONTO: CASA TOMADA
AUTOR: JULIO CORTÁZAR
OBRA: OS MELHORES CONTOS ESTRANGEIROS (E-BOOK)
EDITORA: LEBOOKS (UOL LEIA+)
Casa Tomada foi o
primeiro conto publicado por Julio Cortázar em 1946, na revista literária
Anales de Buenos Aires dirigida por Jorge Luís Borges. Foi incluída na primeira
coletânea de contos em livro, “Bestiario”, em 1951.
P DE PERSONAGEM
Entramos na casa dos quarenta anos com a inexpressada idéia de que o nosso simples e silencioso casamento de irmãos era uma necessária clausura da genealogia assentada por nossos bisavós na nossa casa.
São dois irmãos entrando na terceira idade que não se casaram por
motivos diversos, como a morte da noiva do narrador. Não precisavam de dinheiro,
vinham dos campos e ocupavam-se com o que dava prazer a cada um. Ela tecia
tricô e ele gostava de literatura francesa. Mas a medida que perdia espaço na
casa, precisavam de menos tempo nas atividades domésticas.
Há uma certa resiliência, vão se adaptando ao fato de a casa ser tomada por um antagonista indefinido. Seres alienígenas, almas dos antepassados ou invasores? Isto fica suspenso para o leitor decidir, ou não. Pois a intenção do autor é mostrar um homem e uma mulher sendo expulsos da sua comodidade.
Irene é apresentada pelo seu irmão como uma mulher calma de aura
angelical. Não é constatação de uma relação parental, mas de uma relação erótica,
ainda que vivida apenas no desejo.
E DE ENREDO
O som invadia o ambiente e aos poucos expulsava os irmãos da sua própria casa.
Apesarem de serem afortunados, não precisando trabalhar, os irmãos não se casaram, e viviam uma espécie de casamento oculto entre eles. Estes fatos anteriores ao enredo os levam a uma rotina que vai se moldado a realidade de cada vez menos espaço (ou seria menos tempos?). Por fim, eles largam a casa para seus invasores, deixando para trás não só seus bens matérias, mas talvez sua própria identidade. Por outro lado, o gesto de ele sair abraçado com ela talvez seja a liberdade para viverem seu relacionamento incestuoso já que na casa pareciam viver sob os olhares dos seus ancestrais.
Quando a porta estava aberta, as pessoas percebiam que a casa era muito grande...
A casa é mencionada sempre como grandiosa. É sobre espaço,
territorialidade, que o conto parece tratar, mas também é sobre vazios de seus
personagens, seus desejos reprimidos por não terem casados, pelo medo de
perderem suas raízes com os ancestrais, de serem expulsos do paraíso. A Irene
calma chora na saída. Seu Ulisses não veio. Mas é abraçada pelo irmão, pelo relacionamento
pecaminoso. É sobre espaço, mas é sobre como esse espaço é preenchido.
N DE NARRATIVA
Mas é da casa que me interessa falar, da casa e de Irene, porque eu não tenho nenhuma importância.
Narrado em primeira pessoa, o narrador detalha a casa como espaço onde viviam e saiam muito pouco. Somente para comprar o necessário.
O gênero fantástico, tipicamente latino-americano, não se parte dos personagens, mas vai se saturando durante a narrativa. O homem diante do desconhecido, que pode aqui simbolizar tanto a chegada de imigrantes espanhóis e italianos, quando a nova era política argentina do peronismo.
Há uma intertextualidade entre o tecer de destecer de Irene no conto de Cortázar e o de Penelope em Odisseia. Mas o que Irene espera de volta? Sua vida de certezas sem os ruídos que tomam conta da casa e da vida política da Argetina?
Outra intertextualidade seria com A Queda da Casa de
Usher. Podemos traçar um paralelo entre os dois irmãos da Casa Tomada com os
personagens de Poe.
T DE TEMPO
Desde 1939 não chegava nada valioso na Argentina.
O conto foi publicado em 1946 sob o início do peronismo. Uma Argentina fisgada pelas garras da política paternalista, típica da América Latina.
Este fato leva a entender que a classe alta, vivendo na cidade com o fruto do trabalho dos camponeses, temem a tomada de seus bens.
É tempo das pessoas não esperarem pelos políticos na
poesia/profecia de Cortázar: “Buenos Aires pode ser uma cidade limpa; mas isso é
graças aos seus habitantes e não a outra coisa”.
E DE ESPAÇO
CASA ANTIGA, PROFUNDA E SILENCIOSA: O desejo incestuoso é
silencioso, o ruído é perturbador. É uma casa ampla que daria para viver oito
pessoas:
“...como não me lembrar da distribuição da casa! A sala de jantar, uma sala com gobelins, a biblioteca e três quartos grandes ficavam na parte mais afastada, a que dá para a rua Rodríguez Pena...”
A casa é descrita em detalhes como se fosse um romance de José de Alencar.
Durante o conto abre-se uma disputa entre o espaço habitável e o espaço ocupado. Entre o conquistado e o violado. Assim, admitindo que há um relacionamento incestuoso, a medida que a casa é tomada pelos ruídos, podemos entender que o corpo dos personagens também é tomado pelo desejo, ruídos de almas recalcadas.
Há três espaços se sobrepondo no conto de Cortázar: O país
sendo tomado pela ditadura peronista, a casa sendo tomada por algo não denominável,
e o corpo tomado pelo desejo de incesto.
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