O RIO, NOSSO CASTELO DE OTRANTO: À DERIVA de HORACIO DE QUIROGA

Série: P.E.N.T.E

CONTO: À DERIVA

AUTOR: HORACIO QUIROGA

OBRA: OS MELHORES CONTOS ESTRANGEIRO (E-BOOK)

EDITORA: LEBOOKS (UOL LEIA+)


Rio Paraná (Imagem retirada da internet; https://www.circleofblue.org

O RIO, NOSSO CASTELO DE OTRANTO


Horacio Quiroga é escritor uruguaio pouco lido no Brasil, mas um expoente da literatura fantástico do lado sul da linha do equador. Este é o primeiro de três contos que resenharemos na série P.E.N.T.E.. Seus contos mais divulgados no Brasil são aqueles que estão na obra Vozes da Selva.
 
Outro fator é como o gótico latino-americano está ligado à natureza. A selva é neste conto de Quiroga o nosso castelo de Otranto. A narrativa traz pitadas de naturalismo de um Cortiço de Aluísio de Azevedo, mas a coloração envolvente tem a vida em sua angústia, na visão de quem bebeu Poe.
 

P de PERSONAGEM

“O homem pisou algo brando e mole e, em seguida, sentiu a picada no pé”.
 
O homem é o protagonista da história. Uma personificação que simboliza todos Homo sapiens. Mas o homem também é específico. Sendo Quiroga influenciado pela cultura argentina, o conto é ambientado na província de Misiones, norte da Terra da Prata. É um trabalhador rural que cultiva sua subsistência e suas lembranças. Ainda que para isto tenha que descultivar a natureza.
 
Seu nome é Paulino, e quem diz isto, em um único momento é sua esposa que cujo nome é revelado por ele ao chama-la em seu auxílio. Doroteia que aparece apenas atendendo os pedidos do seu marido,  se espantando e protestando quando este não conseguia mais diferenciar água de cachaça. Era o começo efetivo do veneno da cobra que o picara.
 
Paulino, sentindo-se arruinado pelo efeito da mordida fatal em seu corpo, não queria morrer. Tentaria chegar a Tacurú-Pucú, localidade onde teria atendimento médico.
 
Buscou pela companhia de Alves, seu compadre do lado brasileiro, que não correspondeu seu pedido. Decidiu ir sozinho pelo rio Iguaçu até o rio Paraná.
 
Paulino quer viver, sonha em viver. Quer futuro do dia seguinte que se chama sexta-feira. Há de vir a sexta-feira para ele que estava ali, relembrando pessoas das suas segundas-feiras.

E de ENREDO

“Mas o homem não queria morrer, e descendo à costa, subiu em sua canoa”.
 
O enredo se estica desde a picada de uma jararacuçu, uma peçonhenta das bravas até à falta de respiração. No primeiro momento ele busca os recursos caseiros. A cachaça que no profundo da América do Sul é mais que bebida alcoólica, serve como anestésico contra dores, ainda que seja da picada de animais venenosos.
 
A sentir que a coisa estava séria, outra providência é buscar pela ajuda do compadre, mesmo estando de mal com ele naquele momento. Esperava a compaixão dele, não teve. Seguiu então em busca de tratamento indo sozinho. Vindo a encontrar a morte entre os paredões do Paraná, que é bem descrito por Horácio Quiroga como metáfora de um caixão.
 
A última frase do conto é a informação que ele parou de respirar. Fim da luta para aquele que quis viver e não esperou a morte em casa, mesmo percebendo que a morte por envenenamento pela picada da cobra seria certa.

N de NARRATIVA

“Um casal de araras cruzou o céu muito alto e em silêncio até o Paraguai”.
A narrativa em si é curta. Descreve o necessário. Desde a volta para casa portando um facão, seu instrumento de trabalho, até o estender lentamente dos dedos da mão, constatando que era ainda quinta-feira.
 
A construção da narrativa se dá em torno da hostil indiferença da natureza para com o ser humano. Mas também há hostilidade do homem contra a natureza. Em um contra-ataque do homem ele mata a víbora com um facão, deslocando-lhe as vértebras. A outra é a atividade econômica revelada ao relatar em suas lembranças o madeireiro Lorenzo.
 
Imagem retirada da internet: 
https://www.elejandria.com

T de TEMPO

... pensava no tempo justo em que havia passado sem ver seu ex-patrão Dougald. Três anos? Talvez, não tanto. Dois anos e nove meses? Talvez. Oito meses e meio? Isso sim, certamente”.
 
O tempo da narrativa é curto. Um dia. Um único dia em que Paulino, por um acaso pisa em uma cobra, como em uma mina terrestre. O tempo da narrativa se arrasta pelo tempo necessário para que o autor descreva a morte do homem que não queria morrer. Que se negava a morrer. Mas a medida em que morria, sentia se bem. Esperava chegar ao seu destino antes de três horas. E inicialmente era antes das cinco.
 
Cronologicamente, a história contada por Horacio Quiroga pode ser situada no início do século XX com o desencanto global com o liberalismo.
 

E de ESPAÇO

“ O Paraná corre ali no fundo de uma imensa depressão, cujas paredes, com altura para lá de cem metros, estreitam funebremente o rio”.
 
O homem interiorano que para seu sustento ajuda na exploração da matéria-prima se vê deixado no seu espaço natural.
 
A selva, o rio, a fauna, o clima, o terreno, constituíram o alicerce e o cenário em que os personagens Quiroguianos se movem em seu ciclo vital. Em À Deriva há uma morte inicial, da jararacuçu, e da morte do seu antagonista, Paulino. A morte de Paulino é lenta a partir da narração do espaço do rio Paraná. A paisagem é agressiva. Toda descrição é entendida como metáfora de um caixão. E o ambiente tão claustrofóbico quanto um castelo em uma narrativa gótica.
 
O destino do homem à deriva no rio é Tacurú-Pucú, sua real/imaginária Pasárgada contida que não foi alcançado.

REFERÊNCIAS



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