FLORES, FALCATRUAS E FANATISMO
SÉRIE: À SOMBRA DE UM CEDRO EU SENTEI E LI
OBRA: A SEGUNDA MORTE DE SUELLEN ROCHA
AUTORA: CLÁUDIA LEMES
EDITORA: AVEC
ANO 2020
E-BOOK ADQUIRIDO NA AMAZON.
TULIPAS FONTE: GLOBO RURAL |
A Segunda Morte de Suellen Rocha é o quarto livro de Cláudia Lemes que degusto com sangue nos olhos. Mas é um primeiro que resenho. Antes eu lia, mas não me atrevia escrever sobre o que senti ao ler. Lemes é uma excelente escritora de thriller nacional.
Depois de Um Martini Com O Diabo, Eu Vejo Kate I e Eu Vejo Kate II, A Segunda Morte de Suellen Rocha não desperta inicialmente muito frisson. Mas com o tempo tudo vai fazendo sentido e as peças vão se encaixando.
AMARILIS FONTE: BLOG DA COBASI |
A sensação primaveril inicial é florescida com as tatuagens que as quatro jovens, Mariana, Dafne, Suellen e Cacau (Maria Cláudia) fazem em um estúdio de tattoo na cidade vizinha a Jeperi, Mamarapá. Ambas, pequenas urbes fictícias no interior paulista.
A partir da morte da Tulipa (Suellen), a segunda de sua mísera vida, as outras três flores, Amarilis (Dafne), Lótus (Cacau) e sobretudo, Magnólia (Mariana), desabrocha-se um enredo de revelações e fatos do passado, fazendo com que a história percorra dois trilhos, um nos dias atuais e outro em tempos colegiais do quarteto fantástico de Jeperi.
LÓTUS FONTE: TRANQUILITAS YOGA |
Outros personagens orbitam em torno das quatro. Mas o principal deles é Reno, uma espécie de bom mocinho. Os demais vão surgindo e sujando a trama com suas ambições ou neuroses.
O que passa a intrigar o leitor não é somente a morte, com requintes de crueldade, narrada com detalhes, sem revelar quem era o assassino, mas a palavra Assassinas, escrito com sangue, na parede. Alguém sabia do segredo das quatro e o que elas enterraram na floresta. E a história faz lembrar do tatuador que estuprou Suellen, ocasionando a morte da sua alma, o que nos faz pensar que o corpo enterrado no início da história era dele, ou assim a autora queria que a gente entendesse, ou do próprio filho que Suellen abortara, ou qualquer outro. Mas de um moleque que destruíra o “santuário” das quatro, sendo o corpo que fora enterrado por elas, vai se revelando pouco a pouco.
MAGNÓLIA FONTE: DICAS DE PLANTAS |
Enquanto tudo parecia ser apenas uma vingança, a Morte de Suellen, e a posterior revelação do próprio irmão como assassino, traz à tona a intrigante rede de corrupção e extorsão entre poderosos da cidade.
Questões atuais aparecem nesta rede de crimes, trazendo questões atuais para seu romance. Como Cláudia Lemes falou na Bienal de São Paulo este ano:
"Acho impossível separar a literatura das questões do nosso tempo. Eu gosto de colocar a situação da forma mais realista possível para o leitor se questionar se isso está certo ou errado" TUDO A LER
O crime mais bem bolado que aparece neste emaranhado de falcatruas envolvendo desde o sócio do pai de Dafne, delegado e marido de Mariana, Pastor e uma espécie de líder da máfia onde Reno ganhava uns trocados na luta livre, é a farsa das consultas para fraudar os planos de saúde. Consultas eram marcadas, mas o que de fato acontecia era prostituição no mesmo recinto onde deveria apenas haver procedimentos médicos.
“As cidades pequenas têm suas próprias personalidades, carregam todas uma certa vergonha, uma consciência bem vívida da sua pequenez.”
Mariana é a personagem que mais me marcou. Com sua aparente resiliência, como quem estava se punindo pelos crimes de sua juventude como o incêndio do estúdio de tatuagem em que Suellen fora violentada, pela coautoria do corpo que estava sepultado na floresta ou por suposto aborto, é mulher determinada a defender seus filhos e encarar de vez os seus problemas.
A parte final do livro traz um outro componente para a trama, as chuvas que assolam a região onde a pequena cidade se localiza, faz com que tudo se apresse, o com que tudo se esqueça.
André Peralta, o policial que age mais ou menos sob as ordens do Delegado Gustavo, é quem faz o papel de varrer a sujeira da cidade, desbaratinando toda rede, a partir de uma carta deixada por Suellen.
Outra leitura sobre qual seria a primeira e a segunda morte de Suellen é a confissão de Dona Rosângela, amiga confidencial de Tulipa. Suellen não fora assassinada, mas suicidou. Em seguida seu irmão chega, tomado por ódio e fanatismo, e nem percebe que o corpo dela já estava sem vida. Então o suicídio teria sido a primeira morte.
Mas eu fico com a leitura de que a primeira morte foi o seu estupro, onde a vida não fazia mais sentido para ela.
Além da boa trama que vai amarrando as pontas soltas, apesar de ficar um pouco arrastado no meio, Cláudia Lemes nos presenteia com algumas construções literárias interessantes:
“Quanta coisa ruim não nasce da falta de dinheiro?”
“Cada detalhe berrava grana.”
“Mariana permitiu-se um sorriso que se estendia da boca para o corpo inteiro.”
Uma história dentro da história: “Ele atirava em pessoas próximas ao hospital e corria para lá, sabendo que seria chamado para a cirurgia. Não era viciado em atirar nas pessoas e não era sádico. Seu verdadeiro tesão era o poder de vida e morte sobre o outro, os agradecimentos da família e poder se sentir um herói.”
Também há menção a Contos da Cripta, uma série televisiva
que eu particularmente gosto muito.
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