À SOMBRA DO CEDRO EU SENTEI E LI: OPERAÇÃO MUTUM (JOSÉ ARAUJO DE SOUZA)

 

TEM COISA ERRADA NESSA HISTÓRIA TODA

 


Série de Resenhas: À Sombra De Um Cedro Eu Sentei e Li

Livro: OPERAÇÃO MUTUM

Autor: José Araujo de Souza

Gênero: Romance histórico

Ano de publicação: 2016.

Editora: Amazon (e-book)

 

            Não é que a história de Operação Mutum, escrita por José Araujo de Souza esteja errada. Não há nada de errado nela. Aliás, em se tratando de romance histórico, assim eu o classifico, ele acerta de mão cheia. Cumpre a missão de uma narrativa longa, que vai além de um conto, imposta pelo argentino Júlio Córtazar. Golpeia o leitor a cada capítulo e nos vence por pontos no final da luta.

            Quem acha que sempre tem coisa errada é o personagem mais emblemático que achei na obra. Manfredo Kurt, como chefe do repórter que volta em sua terra natal para cobrir um possível sumiço de bombas após caírem de um avião é quem vai cutucando o narrador para que ele busque a notícia, e se possível, o furo de reportagem. É o mesmo alemão que o instiga a escrever o livro que temos em mão, ou seja, na tela do computador ou do celular através da Amazon.

            Enquanto romance histórico, o autor nos enriquece com detalhes da história do Brasil e busca fatos além das fronteiras, como o incidente de Palomares, na Espanha.

A contextualização no tempo se desenvolve em três momentos. Ela começa pela voz do narrador em 31 de agosto de 2016. Ele, de seu apartamento em Belo Horizonte, vê-se diante de um momento que será um divisor de água na história recente do país quando encerrou-se a sessão no congresso em que o senado concluiu pela culpabilidade da então presidente da República Dilma Rousseff.  Volta para Mutum nos anos 70 em que os fatos da primeira camada do romance se dá. E com recortes das lembranças do narrador que nos remetem à sua infância e adolescência na cidade interiorana de Minas Gerais.

            Vemos uma Mutum nos anos 70 com todo o contexto de uma cidade interiorana. Com a vida social girando em torno de uma pracinha e bares. Dois dos bares são cenários para a conversa e distração, reunião para assistir um final de novela, aparelhos de tevê não havia em todos os lares, certamente, para o jogo de futebol, que só passava do Rio de Janeiro e de São Paulo, ou para a notícia. Sob o chumbo dos anos ditatoriais, Mutum se vê em uma trama onde o povo simples da barbearia, do bar, do dia a dia, acaba sendo apenas figurante. Um e outro teve a sorte de se envolver mais a fundo, como o fotógrafo que o narrador contrata para registrar os fotos. Um “Catarina” forasteiro que passou a gostar de viver entre nossas montanhas e ajuda na caça pelos artefatos.

            As lembranças em forma de causos que o narrador vai permeando com a história principal dá aquele refresco aos olhos do leitor, trazendo aqui e acolá narrativas, que se isoladas seriam bons contos, se espalhando pela dramaticidade da vida de diversas formas, mas todas têm uma pitada de Nelson Rodrigues.

            Enquanto seu amigo de infância, Clemente, vive a traição de sua namorada com um soldado, o que culmina em homicídio e prisão do mesmo, para tristeza da sua mãe, a adolescente Mirtes é afogada em sua sexualidade pela burguesia que vê nela a oportuna saciedade dos seus apetites carnais.

            Acompanhamos através da lembrança do narrador uma história singular. A história da sereia Totonha e fatos típicos de adolescência que lembra, ainda que de longe, os garotos e a garota de It, A Coisa. No entanto, o destino reservou uma vida adulta para Antonia nada confortável. Vemos nesta história o rapaz de classe mais favorecida querer saciar-se da pobre menina e se dando mal.  

            Em algumas destas lembranças o narrador é protagonista ou envolvido mais a fundo. Com Alice, a companheira Duarte, e no encontro com Marta, primeiro garota e depois mulher, dona de uma determinação ímpar.

            Por se tratar de uma ficção histórica, o autor, sabiamente, nos deixa com pouquíssimas ferramentas para diferenciar o que é fato e o que criação narrativa em seu texto. E eu, que tenho vontade de colher o maior número possível de informação sobre o passado da minha cidade, fico por hora só com as anotações.

            E apesar de ter neste momento um meio de contato com o autor, preferi não fazê-lo para passar somente minhas impressões. Evitando assim macular minha resenha de possíveis leituras vindo de fora.

            Confesso que fiquei surpreso com o ritmo que os fatos vão tendo no final. É um plot twist dentro do plot twist mais amplo. Depois de passarmos a maioria do capítulos acompanhando a saga das forças armadas atrás de quatro bombas, descobrimos que Manfredo Kurt com sua intuição tão necessária ao jornalismo investigativo estava certo, tinha mais coisas. E a traição do Lobo, o Sílvio, foi o arremate final para dar aquele golpe sacramentador em uma luta vitoriosa por parte do autor.

            Em Operação Mutum nosso encanto no canto de Minas está para a ficção assim como o Vale do Ribeira está para a história do Brasil. Sargento Flores, (Comandante Mário/Paulo Otávio) é o Lamarca desta luta que José Araujo de Souza trouxe para as paragens do antigo contestado. Sendo estes fatos talvez o último suspiro de uma utopia.

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