OS CINCO CONTOS
Tento mostrar nesta série CINCO CONTOS CINCO PONTOS o que
podemos extrair de narrativas relativamente curtas quando procuramos os pontos
de parada, de checagem, em que o enredo traz algo de relevante para que a
história fique redonda, e nos entregue algo palatável aos olhos e ao raciocínio.
No 1º conto falamos de um personagem que precisa migrar rapidamente, é aquelas guinadas que a vida dá. Como a temática da coletânea é amizade e pandemia, a adaptação ao novo habitat torna-se mais enfadonho.
No 2º conto o autor já traz uma história entre jovens típicos da geração Z, preso em leituras e produções literárias, e desajustados em relação ao mundo. Há citações de obras e autores diversos para nos colocar ao lado dos devoradores de livros. Um final em suspense.
No 3º conto a ambientação se dá em uma cidade interiorana. A relação de uma amizade esfriada pela convivência mais próxima e pelo tempo vai distanciando as amigas de infância. A morte da mãe de uma das personagens revela a amargura e o desconforto. O refúgio para a outra foi a simpatia por um ator e sua dor ao saber que ele faleceu.
No 4º conto temos um título chamativo e confesso que isto me ganhou. Temos a ambientação em Santos. Ou se trata de um relato autobiográfico ou de uma ficção bem construída. Lembranças da infância e adolescência e o faro que todo humano desenvolve em sua profissão ou hobby é que norteiam a narrativa.
No 5º conto encontramos a mãe diante de uma pergunta
cabulosa. A história serve de entrada para a trama que se realiza próximo às
duas. A televisão como fuga, assim como no 3º conto, leva a um desfecho
tenebroso. Conto curto e intenso.
A FORÇA DA AMIZADE SE REVELA NA CRISE
FLAVIA STEINER
PONTO I
O processo de migração de uma recém-casada não foi
fácil para Karina.
O conto começa nos revelando uma
situação que tem causado tanta dor a tanta gente, a questão da migração.
Karina, a personagem no conto de Flávia Steiner migra para a Europa. Neste caso
trata-se de uma recém-casada que está indo para um país com cultura diferente
do seu.
PONTO II
Pessoas... eram vistas como
ameaças à riqueza e a continuidade cultural local.
Este terceiro mundo agora chamado
de países em desenvolvimento para desconsiderar os países socialistas como
segundo mundo, somente será aceito no países desenvolvidos quando a economia
destes estão forte o suficiente para que todos estejam nos melhores empregos e
ninguém quer fazer o “trabalho sujo”. É a economia sendo o motor da história,
mesmo sendo a história fictícia.
PONTO III
Mesmo sendo uma pessoa muito
sensível, e até mesmo frágil, Pimpa foi a amiga...
Aparece neste ponto do conto a
mão estendida mesmo no isolamento social. Graças à tecnologia, Pimpa pode
motivar Karina a seguir em frente em um mundo hostil, e não era somente pela
pandemia.
PONTO
IV
A falta de cooperação e conexão
com o cuidado mútuo em justiça e amor talvez seja o maior problema da
humanidade.
Mesmo pondo no talvez, a autora
afirma nas entrelinhas do enredo como a humanidade está fazia, não cuidado do
outro, gerando injustiças e desamores. É a preparação para a moral da história
aqui no conto.
PONTO V
Como o ferro afia o ferro, assim o amigo afia o rosto de seu amigo
A autora usa um provérbio bíblico para justificar e sustentar no seu enredo a amizade entre Karina e Pimpa. Por fim há a indagação que faz em forma de afirmativa: O problema é isolamento da pandemia ou o isolamento do coração?
FIAT
LUX
HELDER D’ARAÚJO
PONTO
I
Aquele antissocial que há não
pouco consagrava-se à misantropia, viu no início da pandemia ruir seu
estranhamento ante os encantos de sua futura Lou.
O conto começa com uma virada de
atitude do personagem Tony, e quando há distanciamento e relações em
dificuldades, seja por não se verem tanto ou por agora se verem demais, se
conhecerem demais, há no relato um romance se iniciando, indo na contra-mão do
que acontecia em geral.
PONTO II
Enquanto Tony procurava na seção
de livros judaicos a obra de Éliphas Lévi topou com aquela luz como a Shaul.
O fato é que o encontro se deu no
crepúsculo da normalidade, na biblioteca que ainda estava aberta, e o rapaz
embriagado de livro e filosofia encontra a poeta.
PONTO III
Dali em diante o único contato
dos pombinhos dar-se ia por rede social.
Em tempos de pandemias e redes
sociais, a narrativa de um caso de amor não pode deixar de lado os recursos da
tecnologia. Por isso é tão necessário este ponto que une as duas coisas que se
viveu no ano de 2021.
PONTO IV
Quando Lou silenciava pelo
aplicativo um tremor esquisito sacudia o rapaz.
Percebemos aqui um exagero na
paixão de Tony, da esquisitice da solidão passou para a esquisitice da
possessão. O antissocial dá tons de ser um rapaz possessivo. O silêncio dela no
aplicativo o incomodava.
PONTO V
... uma voz suave sussurrou num
encanto doce: “post tenebras lux”... ele sussurrou baixinho: ”fiat lux”.
E magistralmente o contista deixa o final em aberto. Ela teria chegado e com seu jeito suave havia citado uma parte de um dos seus poemas? Ou era a loucura já mordendo o possessivo que já dava a perda como certa? Assim ficou sensacional o final do conto. Há três dias ela não dizia nada para ele. Não conversava com ele pelo aplicativo. Teria ela morrido de Covid-19?
UM ADEUS PARA DONA MARLENEJENNY ROGERONI
Minha mãe acabou de falecer de Covid.
PONTO II
Passei a maior parte da noite
numa espécie de limbo,...
Quantas pessoas não passaram a
noite assim durante uma pandemia. O recado de Tânea, seco, desconcertou nossa
protagonista que se revela moradora de uma cidade do interior, onde as pessoas
acreditavam que a pandemia era uma invenção da mídia.
PONTO III
A partir do recado de Tânia, a
protagonista vai lembrando a relação entre as duas alo longo do tempo, lembre,
em uma cidade pequena. Certamente a faculdade era em algum lugar mais populoso.
E dividir uma quitinete traz desgaste na relação. Sempre foi assim. Quantas
amizades são desfeitas por terem que morar juntos em alguma circunstância.
PONTO IV
Você está bem? Não. Quer que eu
vá aí? Não.
Um diálogo quase monossilábico
entre as duas ex amigas. Sim. Ex, uma vez que a vida foi distanciando as duas
amigas de infância. Uma tentava ser agradável, útil. Mas tinha perdido alguém
querido, o ator Chadwick Boseman, o pantera negra. Teve que ficar em silêncio
perante o marido enciumado da simpatia dela pelo ator. Tânea que podia
compartilhar sua dor com alguém, estava resignada diante da vida, do divórcio,
da traição do pai com dona Marlene, sua mãe.
PONTO V
... chorei menos por elas que
pelo Chadwick Boseman, que eu nem conheci.
Aqui está a deterioração das
relações humanas na pós-modernidade. A protagonista sente que sentiu mais a
morte do ator que ela admirava que da amiga em luto e da sua mãe que faleceu de
Covid. Isto em uma cidade do interior.
PONTO I
Sempre tivemos uma relação bem próxima
do mar.
A primeira frase do conto está em
consonância com o título que achei lindo. Confesso que tinha um outro conto com
uma história mais longa de amizade entre um idoso e um garoto. Mas fiquei com
este, afinal, é a história de uma família de Santos. Este me fisgou pelo
título.
PONTO II
Meu pai sempre identificava os
ventos como personalidades, sendo o sul, o mais temido.
Mais uma justificativa. Como lobo
conhece a natureza da floresta e sente o odor da presa pelo vento, o pescador
experiente, ainda que por lazer, sente o perigo pela direção do vento. Um lobo
que conhece sua floresta, o mar.
PONTO III
Hoje eu sou um fotografo
ambiental...
Ou é uma biografia ou é um conto
bem construindo que dar ares de realidade a todo momento. Veja que a profissão
do lobinho segue tendo relação com a natureza.
PONTO IV
Os troféus apodrecem com a
madeira sendo comida por cupim
Uma excelente criatividade para
descrever o avanço do tempo que vai soterrando o simbolismo da convivência com
nossos pais. E o próximo parágrafo segue uma galeria de ídolos que foram ou são
corroídos pelos cupins do tempo, que chamamos de horas.
MINHA AMIGA TELEVISÃO
VALÉRIA GUERRA REITER
PONTO I
Posso matar você e meu pai quando
crescer?
Parece um conto de psicopatia,
mas assim está esta sociedade doente, que faz da violência um show televisivo.
Lembra a história de Suzane Von Richthofen que recentemente foi relembrado na
Amazon prime. O conto é um alerta no que esse sensacionalismo tem produzido na
mente das nossas crianças.
PONTO II
Claro que não minha filha, você
não pode matar ninguém.
Resposta sábia da mãe que pensou
antes. Não é porque é os pais. Não se pode matar ninguém.
PONTO III
Mas eu vi na televisão uma moça
que matou os pais, ficar livre.
É claro que isto acontece. Não
leitura não deve no sentido de que há uma impunidade deliberada na sociedade. É
preciso discutir mais os processos que a nossa justiça trava diante de
gravidades. A justiça não pode fazer o que quer uma população. Mas o que ela
faz tem que ser compreendido para não cair no punitivismo.
PONTO IV
Foi quando avistaram uma mulher
com uma faca na mão.
O diálogo entre a mãe e a filha
sobre um assunto tão terrível é a narrativa, curta, deste último conto, que me
fez ter que fazer a escolha anterior na resenha de O Velho Lobo do Mar. Uma
daquelas narrativas que podemos dizer.
PONTO V
Só continuar com minha linda
amizade com minha linda televisão.
É a justificativa insana da
assassina. Penso nela dizendo isto perante o delegado e depois lido e relido no
tribunal, no dia do julgamento. Talvez a psicopata, ou esquizofrênica acredite
que assim como a Suzane, ela também terá uma boa defesa e conquistará as
pessoas na detenção. Vai vendo.
Obs: Série sujeita a ajuste nas próximas resenhas.
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