À SOMBRA DO CEDRO EU SENTEI E LI: À SOMBRA DO IMBONDEIRO (ANTÓNIO MARCELO)

 DA SÉRIE: À SOMBRA DE UM CEDRO EU SENTEI E LI

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TÍTULO: À SOMBRA DO IMBONDEIRO

SUBTÍTULO: UMA HISTÓRIA DE AMOR, GUERRA E AVENTURA

AUTOR: ANTÓNIO MARCELO

EDITORA: E-COLOR

GÊNERO: BIOGRAFIA






AS CAMPINAS DE UM INCANSÁVEL RETIRANTE

— E agora, o que faço?

— Foge, José. Se te encontra, o homem te mata.

António Marcelo começa sua biografia com a fuga do seu pai da pequena aldeia. E agora, José, o que vai fazer? Um pastor de ovelhas não tinha vida fixa no início do que hoje chamamos de civilização. Seu pai, tempos depois, vai para Angola pastoreando sonhos que trouxera da sua  Sambade e o progresso financeiro da família. É a partir deste pastoreio do seu pai que António Marcelo começa sua vida como um se vivesse à sombra do imbondeiro em terras africanas, grande em extensão e pequena para seu espírito.

Através de sua narrativa que nos faz pensar se tratar, inicialmente, de uma obra ficcional, de tão bem escrita, o autor vai colocando-nos a par do ambiente e do tempo de suas vivências. Dois ou três saíram correndo e voltaram com algumas meias, furtadas de suas mães. Enrolando umas tantas, a bola do Jorge ficou com consistência suficiente para ser usada. Eis como se jogava futebol. O futebol que certamente deu frutos como é o futebol angolano hoje, Petro Atlético, Primeiro de Agosto que o diga.

No Colégio Acadêmico, me tornei amigo do Manicas, mulato safado, malandro e sem-vergonha, mas amigo leal e verdadeiro. Todos os dias a palmatória de dona Angélica voava sobre ele, que gritava. Reminiscências discentes sobre a educação dura, na base da pressão. Tempos que não cabem mais, mas que fez parte da história e António Marcelo fala dela com certo ar de nostalgia. Tempo de brincadeiras nas ruas como as que eu vivi na década de 70 aqui no interior de Minas Gerais.

Sambade continuava pobre como dantes... A escalada social e financeira do pastor que fugira da pequena aldeia foi contrastada neste relato. Se o pai não tivesse tido motivos para fugir dali, nosso autor talvez nos trouxesse esses amores, essas guerras e essas aventuras, não seria um homem de muitas campinas e sua história teria outros fatos para se tornar interessante uma vez que toda vivência humana neste planetinha tem seu esplendor.

Creio que como todo filho, ainda que tarde reconheça, a maior riqueza que António Marcelo recebeu de seu pai foi a educação, a oportunidade de estudar em Portugal, de se formar em engenheiro mecânico, e de passar pelo serviço militar. De viver os amores oscilando entre intensidade e descompromisso, coisa típica dos jovens. Em diversos momentos de sua vida universitária o autor deixa óbvio como as diferenças sociais influenciam no acesso à educação. E ele próprio passando por alguns perrengues.


DIGNO DE UM ROTEIRO

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Ela era divertida e descontraída, simpática e espontânea. Encantadora. Linda e elegante. Estes atributos são de Gabriela, um dos amores do nosso autor. Neste caso o pêndulo dos seus sentimentos estava oscilando para o lado da intensidade. Arriscou, amou e terminou em uma aventura tempos depois.  Esse caso em si é digno de um roteiro de um longa-metragem.

Além do caso de amor com Gabriela, vivemos juntos com António Marcelo o repúdio ao salazarismo em movimentos estudantis. Aí ele vive um sistema educacional controlado, centrado no nacionalismo e no grande império colonial. António Marcelo, vindo de uma das colônias, sabia bem o que significava esse império. Pode viver a diferença entre a metrópole e as terras de onde o país lusitano extraia parte das suas riquezas. Ele, como diretor da papelaria da associação de estudantes, vive a primeira experiência de empresário. Talvez ali ele tivesse compreendido como a vida adulta funciona de fato.

            Pela experiência de António Marcelo concluímos que nem a ditadura de direita salazarista, e nem a ditadura de esquerda do MPLA de Angola são dignas de aplausos.


QUANTO DE TUAS LÁGRIMAS SÃO SAL

            E assim conhecemos a Guiné Bissau, Cabo Verde e os Açores. Sua experiência na marinha deu a ele a oportunidade de conhecer as tantas outras campinas, usada nesta resenha como descrição das diversas paisagens que ficaram na memória de António Marcelo capturadas pelas suas retinas.  

Voltando para Angola para seguir no pastoreio dos empreendimentos do seu pai, vemos neste momento o autor nos narrando de como era a vida nas fazendas de Angola, como se deu a sua atuação como homem de negócios em uma colônia que transpirava anseio de liberdade.  O trabalho exaustivo afetando a sua saúde. A imersão na bovinocultura, na plantação de girassol e os sustos de estar sempre a viajar na queda de um avião.

Não me movia apenas o dinheiro que nunca coloquei acima de valores mais pessoais. Sentia um enorme desejo de honrar e sedimentar as iniciativas do meu pai, valorizando-as.

Entre as (pre)ocupações de A. Marcelo estava a de manter as relações com suas irmãs e, evidente, da sua esposa e filhas.

Apesar de roçar com a ilegalidade dos diamantes, essa empresa não fazia parte da vida do empresário que administrava seus negócios com ênfase na prosperidade da sua família, das suas empresas e por consequência da sua terra.

No limiar da libertação de Angola, a vida de António Marcelo foi ficando intensa. A morte de pessoas conhecidas foi entrando na sua rotina como as mortes de uma pandemia.  Eram empregados, amigos e colaboradores. A morte que mais lhe chocou foi a de Andrew, exposta pelo autor  na primeira parte desta resenha.

Muito antes da saída do homem António Marcelo de Angola, muito de si já tinha ido. Boa parte de seus empregados, seus sócios e sua família.

A parte mais tensa desses anos é o Julgamento Popular no qual o protagonista entra como réu e reverte a situação com habilidade peculiar de um bom negociante. Mas depois o artifício teve consequências que influenciaria na sua saída definitiva de Angola.

Angolanos empresários acreditavam no início do processo que tinham muito a contribuir com uma Angola livre. Talvez os episódios narrados nesta autobiografia tivessem um final diferente se não fosse a guerra fria em curso.

Entrando no avião, dormi durante todo o voo. Descontado o tempo de desembarque e chegada ao Hotel no Rio, dormi 24 horas seguidas. Era o preço da exaustão total.

António Marcelo se libertara da Angola afogando-se em sangue. Agora era reconstruir, pastorear nossas situações no Brasil, país que lhe agradou desde a primeira visita. No Brasil sentiu-se seguro para recomeçar.

PASTOREIO EM PINDORAMA


Sua estabilidade no Brasil dependeu de viver outras aventuras em voos, idas à Portugal, reconfiguração da sua situação familiar. Era como ter que tosquiar as novas ovelhas para que a lã pudesse lhe proteger das intempéries da vida. Não sabemos se a bela Campinas, próxima de São Paulo, será a paragem definitiva deste eterno retirante.  Só sabemos que Campinas acolheu António Marcelo como se fosse um filho. E ele é grato pela acolhida de Campinas e do Brasil.

Te amo porque me acolheste com humildade e ternura

Te amo porque agora és meu!

 

Obrigado Brasil, por existires!

 

            Estamos no aguardo do segundo livro contando esta parte aqui no Brasil.


PARTE I

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