DO DETETIVE DE POE AOS TENTÁCULOS DE LOVECRAFT
SÉRIE: CINCO CONTOS, CINCO PONTOS
OBRA: REVISTA MYSTÉRIO RETRÔ, Nº 08, ANO 2, DEZEMBRO DE 2021
Depois de um número dedicado ao terror que será objeto de apreciação em outro projeto, 666 Contos em Antologias Tenebrosas, tenho em mãos o Nº 08 desta bela iniciativa de Tito Prates, escritor que merece nossa atenção pelo seus trabalhos relevantes que ele vem exercendo em prol da literatura de suspense e mistério.
Deixaremos de fora o conto Dr. Krun e os contratos de Mefistófeles. Estamos acompanhando a série de Cassandra T. Eegal que também terá aqui um texto específico.
A própria revista em seu editorial menciona contos que são
inspirados nos dois mestres do horror, Poe e Lovecroft, que estão entre nossos
cinco escolhidos. A revista faz um misto do bom mistério policial com fantasia,
fretando com o sobrenatural.
CONTO I
DUPIN E O JOGADOR DE XADREZ
AUTOR: HELTON LUCINDA RIBEIRO
PONTO 1: Não me esperava me surpreender outa vez com Auguste Dupin depois das façanhas que testemunhei ao longo de nossa convivência em Paris.
O narrador é admirador e amigo do detetive de Poe. E neste
ponto o autor nos prepara para mais uma audaciosa investigação, tão intrigante
ou mais que as já conhecidas dos escritos de mistério do grande mestre. Ele
relata uma carta que recebeu do próprio detetive, bem ao estilo do século XIX.
Por isso entramos não só no universo de Poe, mas na ambientação do conto.
PONTO 2: — O senhor é o Chevalier Dupin, que desvendou o caso da rua Mourgue? Perdão, só agora me dei conta disso!
O detetive que tinha desvendado um caso intrigado não era
conhecido pelo inspetor de polícia Ettienne Brennand. É como ocorre no meio
policial de fato onde o sucesso de um não reflete no olhar dos demais. Talvez o
autor quisesse aqui criar um embaraço para seu personagem principal. Mas foi ao
tecer um comentário sobre a mudança urbana em Paris que o brilhantismo do nosso
detetive aparece para o inspetor.
PONTO 3: — Acalme-se, senhor Schälfer, eu apenas fiz o meu caminho que o senhor há duas noites...
Os três pontos finais que destacamos estão no final da
narrativa, pois é aí que está a solução do fato. Alguém morto enquanto jogava
xadrez com um autômato. Em apresentações de Assassinatos da Rua Mourgue, o
detetive Dupin é apontado como alguém que resolveu o caso que mais intrigou a
polícia francesa através do seu sistema de dedução e na sua capacidade de
observação dos fatos. A refazer o caminho do assassino, Dupin, neste conto,
apresenta estas mesmas qualidades.
PONTO 4: — No tabuleiro de xadrez. Antes de morrer, ele reproduziu no tabuleiro o lendário e simplório Mate do Pastor.
O ponto quatro só reforça o ponto três quanto à capacidade
do detetive de observar o fatos. Ele examinou quais jogadas foram desenvolvidas
pelo enxadrista e percebeu que era uma mensagem. O assassino era seu vizinho
Schälfer, que em alemão quer dizer pastor.
PONTO 5: Assim terminou minha modesta aventura, meu bom amigo. Fique à vontade para transformá-la em um conto, como gosta de fazer.
Gostei muito com a metalinguagem que finaliza a história. Se
enviou para o amigo que é contista, logo o detetive não é nada modesto, pois
sabia que sua história vivaria um belo conto. Interessante é que assisti o
autor do conto, ficcionalmente o destinatário, em uma participação na Semana da
Escrita de Literatura Fantástica (S.E.L.F) do Professor Alexander Meireles da
Silva.
CONTO II
O SHOW DEVE CONTINUAR
AUTOR: RENATO DUTRA GOMES
PONTO 1: Ele acordou no dia, seguinte em seu apartamento e sem roupa. Olhou ao redor em busca da noiva e não a encontrou. Estava na cama e limpo, mérito dela.
O autor do conto nos dá o cartão de visita do protagonista
Jonas, um vocalista inconsequente de uma banda underground. E de sua mão
direita, a noiva que cuida dele. Mas a ausência dela é uma guinada. Ela está
cansada de lidar com o meninão. Foi embora. O “desconcerto” na narrativa começa
neste momento.
PONTO 2: Tudo girou. O mundo deu várias voltas. Primeiro a dor, depois o barulho do metal raspando o asfalto, por fim o nada.
Magistral descrição de um acidente fatal. Orações curtas,
sem floreio, vai nos colocando na situação do personagem. Dor, a última
sensação captada por um dos sentidos, depois o nada, a morte. Síntese cortante
do momento descrito. A morte veio no momento em que o inconsequente começava a
mudar de atitude. Tinha entrado para os Alcoólicos Anônimos (A.A.). Perder
Sabrina seria a morte. E a morte não desistiu dele.
PONTO 3: Entrou no corpo que ambicionava, enfim.
Neste ponto a história ganha contornos sobrenaturais,
entramos no mundo da literatura fantástica. A volta para o mundo real apenas
para seguir com o show e com a narrativa. No corpo do estranho que era o único
que o notava em sua não-vida. O desafio é fazer com que o estranho passasse a
ser normal para Sabrina e os integrantes da sua banda.
PONTO 4: Parecia que, ao mesmo tempo em que o mundo se abria para ele e sua banda, seu microcosmo diminuía.
A narrativa neste ponto nos coloca a questão de perspectivas
do corpo e da alma distintos. A alma de Jonas possuía o corpo do estranho ou
estava aprisionada nele? O corpo parecia ser comandado por Jonas. E a banda
alcança o ápice com participação no Rock in Rio. O mundo se abria para todos
envolvidos enquanto o vocalista sentia-se preso no corpo. O autor consegue
mostrar com clareza esta divergência.
PONTO 5: Sua alma se apagou e o resto de sua essência foi jogado em um fosso de esquecimento eterno.
De possuidor a possuído. Assim caminhou Jonas na parte final
da narrativa. E pior, o autor deixa para nós imaginarmos a continuação. O corpo
em que todos agora acreditavam ser Jonas não era ele. Sabrina se entregaria a
alguém que não seu amado. E um por um servirá de alimento para aquele que
aprisiona Jonas. Final macabro e sensacional.
CONTO III
A MELODIA DA ESCRITORA
AUTOR: OSWALDO C. ALMEIDA
PONTO 1: A última obra de Eliza Carte está condensada abaixo.
Primeiro vem meu fascínio por histórias que têm escritores
como protagonista, ainda que trágica como a de Eliza Carte. Segundo, o autor
entrega uma história de fato concisa, porém muito densa. Nos convida a
mergulhar em mais um drama, fictício, que rasga a trajetória de um artista.
PONTO 2: Tudo começou com a maldita música.
A escritora confessa que não possui apurada compreensão
musical, mas aquela música em um bar pautaria seu destino. Ponto central na
narrativa de um conto ambientado em Belo Horizonte, a capital brasileira dos
barzinhos.
PONTO 3: Entretanto, enquanto a máquina produzia seu som,
notei algo estranho e que foi o início da minha loucura.
A personagem principal começa a se dar conta da sua loucura
já cercada de sombras. Com um inseto que se encanta com a luz da lâmpada, nossa
escritora se encanta pelo som da jukebox de um bar. É o início da imersão na
areia movediça da loucura.
PONTO 4: Isso me lançou a um acesso de raiva demoníaca, a
ignorância de uma pessoa amada.
A escritora chega ao auge do seu desatino matando sua
editora e paixão não correspondida. Eliza Carte que precisava ser amada, não
resistiu às cobranças da mulher que começou amiga e passou para o lado
profissional.
PONTO 5: ...minha morte chegará pelas mãos daquilo atrás da
minha porta; por isto escrevo esta história.
Ciente que o fim de um modo extraordinário, sobrenatural, a
autora declara seu ato final. Rende à fatalidade do seu fim. O autor deixa no
ar se a loucura é que faz Eliza ver a morte chegando na pessoa de algum
policial? Isto é apenas um dos desfechos que o conto deixa em aberto.
CONTO IV
A BÚSSOLA DE ITAIPU
AUTORA: ALEYDE BIONDO
PONTO 1: A areia, agora úmida pela maresia da manhã, era ocupada pelo corpo de uma jovem nua. Em seu braço esquerdo, uma tatuagem – uma bússola apontando para o norte, onde se via uma imensa onda do mar.
O corpo sem vida encontrado é sempre a fisgada para uma
narrativa de mistério. E isto veio quando a tragédia mudou para o drama. O corpo
sem vida, quem matou? Por que matou? Resposta que o leitor espera encontrar e
que o faz adentrar na história.
PONTO 2: Aquelas palavras serviram como um feitiço, assim
como toda tragédia que se iniciou ali.
A tragédia que traga um destino, é o que acontece aqui com
Suellen. O homem que a conquista com palavras doces a atrai para uma convivência
tóxica do qual Suellen foge depois de um tempo, literalmente.
PONTO 3: O delegado Pereira era um homem em seus sessenta
anos, cabelos brancos e alguns quilos extras, como muitos de sua idade. Ele vivia
uma vida simples e estava há poucos anos de se aposentar...
A descrição do delegado nos sugestiona que ele não levará o
caso muito a sério. Alguém que estava no emprego já fazendo hora-extra. O que
leva o caso se arrastar mais um pouco na narrativa sem incomodar o leitor.
PONTO 4: Meses se passaram com Pereira conduzindo buscas
atrás do ex-namorado de Suellen...
Ponto do conto que contempla o apontamento feito no ponto
três. Fixar em uma única possibilidade e esperar para que esteja certo. Enquanto
isto o caso vai saindo a agenda e se for um equívoco, caso fechado.
PONTO 5: Todos sabiam que as lendas locais deviam ser
levadas a sério.
Este conto ficou entre os cinco a ser resenhados nesta
série pelo plot twist que ele apresenta. O assassino ali, desde a chegada da
polícia ao local em que o corpo foi encontrado. Acima de qualquer suspeita, o
sujeito camarada, com uma profissão importante na pequena cidade costeira. O salva-vidas.
E a falta de tino do velho delegado faz com que o assassino não seja
descoberto. E Suellen fica na história como sacrifício que os pescadores
levaram para o mar, sobretudo com a abundância de pesca que se segue ao
assassinato.
CONTO V
O INSÓLITO CASO DE JADNA CHARLENE VANDERLEIA
AUTOR: LUCIANO REIS
PONTO 1: Independente de qualquer coisa, o insólito caso do suposto assassinato de Jadna Charlene vanderleia não é nada daquilo que se pode, a princípio, imaginar.
Este ponto logo de início nos leva para uma narrativa
lovecraftiana. Algo para além da nossa compreensão humana. O narrador, que é um
detetive em Vitória, Espírito Santo, encontra-se no meio da Covid-19 e de uma
greve dos legistas. A tempestade perfeita para um drama e tanto.
PONTO 2: “Aquela que sonhei, na verdade está sonhando comigo”, “O primeiro a derrubou, mas ela irá fazer o sétimo tombar... ela e suas irmãs... ela e suas irmãs!”
As frases desconexas do mendigo entra na história como
prenúncio de algo maior que somente depois que o detetive vai entender. É o
autor revelando pouco a pouco as peças do quebra-cabeça.
PONTO 3: Li diversos contos de Lovecraft.
O detetive então entra no mundo de Jadna Charlene Vanderleia
para entender mais que a dinâmica do crime. Havia muito de obscuro diante de
si. Os instintos dele é que o colocou nesse beco escuro. Foi o horror cósmico de Lovecraft que entrou no mundo do detetive.
PONTO 4: As palavras no caderno. Os delírios do mendigo. As mariposas. Os meus pesadelos. Como um quebra-cabeças surreal, tudo passou a fazer sentido.
Buscando algo que os outros policiais houvessem deixado para trás. Procurando algo mais, é que o detetive deparou com as anotações estranhas da moça que estava misteriosamente tendo privilégios entre os corpos mortos durante a pandemia e a greve, é que o detetive chegou à conclusão e à urgência.
PONTO 5: De dentro do abdômen escancarado, emergiam tentáculos com ventosas semelhantes às de criaturas marinhas, pedipalpos e patas peludas iguais às das aranhas.
Uma descrição sucinta, que se segue no parágrafo seguinte,
daquela se alimenta dos que a veneram se despertando da morte no sétimo dia. E
assim partimos do detetive de Poe e chegamos aos tentáculos de Lovecraft.
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