SETE FACES DOS POEMAS de VANESSA REIS em ASA DE LAGARTA

LENTES ESCOLHIDAS
 

SÉRIE: SETE FACES DOS POEMAS
OBRA: ASA DE LAGARTA
AUTORA: VANESSA REIS
EDITORA: PATUÁ
ANO: 2014

 


Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Metamorfose Ambulante (Raul Seixas)
 
Vamos para mais uma pescaria. Sim, esta série é uma pescaria de pontos de ligação entre os poemas de uma obra, solo ou coletiva, com o grande Poema de Sete Faces de Drummond. Temos em mãos um livro em que a poeta Vanessa Reis nos brinda com um convite para sairmos do casulo, sermos lagartas com asas, metamorfosear diante do caos que se avoluma, do buraco negro que se abre diante de nós. E nós somos o homem sério por detrás do bigode. Solitário e sem muito o que dizer.
 
Qual lente vamos escolher para nos vermos neste mundo. A que nela somos lagarta ou na que somos borboletas?
 
Vamos face a face dos poemas de Vanessa Reis descobrindo o que temos em comum com o eu-lírico de Drummond e suas sete faces.
 
 
FACE I
marcos todos os dias abre a caixinha do correio para saber se ganhou uma bicicleta.
...
alice não sabe dançar;
...
ana vai até a porta no escuro;
...
pedro queria começar a aceitar os nomes que considera feio.
 
Quatro personagem em uma prosa poética concreta no mundo dos desejos. Marcos, Alice, Ana e Pedro são gauches na vida por querer algo que é quase impossível. O não-cumprir o script da normalidade está presente nestes curtos relatos biográficos do poema Janelas, se abertas.
 
FACE II
— hoje você ainda quer me abraçar?
— por quê?
— porque hoje eu quero
— por quê?
— porque hoje eu tô muito triste.
— ah, mas assim não vale.
 
O diálogo acima atualiza os homens que correm atrás das mulheres. A paquera hoje se dá de forma direta e uma dose de sinceridade que pode contaminar o relacionamento. Há um desejo aqui que pode não ser meramente carnal, mas da necessidade de companhia na tristeza. Mas um dos dois não quer assim. Quer o outro falando de coisas alegres. Mas é desejo que jorra independente se a tarde é ou não azul.
 
FACE III
 um único filme projetado
em todas as janelas do ônibus
 ...
mas para além das buzinas
 
Seria as janelas de um ônibus a atualização do bonde na Rio de Janeiro de Drummond? Acreditamos que sim. O observador que está se sentido sozinho vê nas janelas a vida de Marcos, Alice, Ana e Pedro como projeções de um mesmo filme.
Mas para além das buzinas há tantos barulhos que incomodam os seres urbanos. É à noite em suas casas é que se reza, se pergunta, se combate as pragas (os ratos estão por dentro.)
 
FACE IV
 e aqui dentro o tempo
continha parado
 ...
encarar a cidade como se
fluísse o rio e não a ponte
 ...
nas lentes escolhidas
 
Sério, simples e forte. Qualidades de quem enfrenta a solidão e o esmagamento do sistema. As notícias sanguinárias dos jornais, mas parar o tempo e a máquina que esmaga, encarar a cidade como se a natureza seguisse na fluidez do rio e não as pessoas sobre a ponte. Uma questão de escolher qual lente vamos ver a cidade, a insanidade? O homem atrás dos óculos e do bigode é o homem que sofre e sabe da incapacidade de mudar o mundo sozinho.
 
FACE V
morfina diazepam fenergan

Talvez o homem atrás do bigode, ou de outro componente como tatuagem, vive diante dos acontecimentos de séculos de opressão. A rotina fatigante, as horas contadas e o cálice do qual muitos na cidade querem se afastar. Se Deus sabia que éramos fracos, por que este mundo desesperador? A busca pela fé vai tirar a necessidade dos antidepressivos, dos anestésicos, e de toda medicação viciante que faz o homem/mulher sobreviver ao caos.

 
FACE VI
e o que falo é raso

A fala rasa do eu-lírico de Vanessa Reis e a rima do eu-lírico de Drummond não é a solução diante do mundo que se definha. Ainda assim Vanessa Reis, ou seu eu lírico, quer nos mostrar um mundo novo escondido nesse existente como uma asa que vai nos mostrando que a lagarta vai se transformar em uma borboleta. A poesia seria apenas poesia ou tem algum proposito? A de Vanessa Reis parece que sim, o de alertar o mundo sobre o buraco negro capaz de nos engolir assim como já engoliu um planeta 14 vezes maior que Júpiter.

  
FACE VII
os nossos sentidos só funcionavam durante a noite

E pedaços de plásticos transparentes são confundidos com vaga-lumes. À noite vivemos sem as metáforas do dia, sem as máscaras, vivemos a poesia crua e nua da vida. É quando a rima não precisa ser solução. E nem precisa necessariamente de rima, mas de rumo.

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FONTE DA IMAGEM: https://medium.com/









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